A mesa resplandecia; e as tapeçarias, representando massas de arvoredos, punham em redor como a sombra escura de um retiro silvestre onde, por um capricho, se
tivessem acendido candelabros de prata. Os vinhos saíam da frasqueira preciosa do Ramalhete. De todas as coisas da Terra e do Céu se grulhava com fantasia – menos de «política portuguesa», considerada conversa indecorosa entre pessoas de gosto

Eça de Queiroz (Os Maias)

O interesse pela política é um indicador que funciona como barómetro da preocupação dos cidadãos pela “coisa pública”. Os dados do Inquérito Social Europeu (ESS) 2002-2014, mostram que os portugueses são os europeus que mais dizem que não se interessam por política (38,4%), verificando-se no Algarve o desinteresse mais acentuado (67,6%). Mas, se o desinteresse pela política é um sintoma preocupante, as dificuldades em perceber a política, certamente, não o são menos, pois em concreto pode traduzir-se em tomadas decisão pouco informadas, de que é exemplo o acto de votar. As campanhas eleitorais têm como principal finalidade, como se sabe, convencer os indecisos. O anátema de que os candidatos mentem todos e, quando estão no poder não cumprem as promessas que fizeram, decorre da “impossibilidade” de o fazerem. Mente-se mais quando o público-alvo quer que lhe mintam. Ou seja, um candidato que diga a “verdade” não tem hipóteses de ser eleito, como bem tem demonstrado a ciência política. Advém daí a importância do marketing político que, a exemplo do marketing comercial, pretende “vender” um candidato, exaltando, para o efeito as suas pretensas qualidades, mas escamoteando os seus defeitos. Também neste caso, na Europa é em Portugal que se regista a percentagem mais elevada de inquiridos que dizem que a política lhes parece tão complicada que não percebem verdadeiramente, o que se está a passar (42,8%).
Outro indicador importante para perceber a relação dos cidadãos com a política é a resposta à questão: “De uma forma geral, qual o grau de dificuldade que sente em tomar uma posição acerca de questões políticas?”. Mais uma vez, Portugal regista a percentagem mais elevada dos que dizem que têm dificuldade em tomar uma posição política (52,3%).

É claro que esta relação dos portugueses com a política não pode deixar de produzir efeito na simpatia partidária e no voto. Como notou José Manuel Viegas, ao analisar a abstenção nas eleições legislativas de 2002, a simpatia partidária é um preditor importante e as variáveis com maior peso no acto de votar são: o “interesse pela política”, a “idade”, e a “simpatia partidária”. Os resultados do ESS confirmam aqueles resultados, pois entre os que têm simpatia por um partido apenas 10,7% dizem que não votaram nas últimas eleições nacionais, enquanto nos que não têm, aquele valor ascende a 31,8%.

É assim patente o distanciamento da política por parte dos portugueses. Este distanciamento, como se sabe, condiciona o exercício pleno da cidadania. Alguns autores têm chamado a atenção para o facto de constituir uma ideia adquirida de que a política está em crise, manifestando-se o desinteresse por esta de tal forma, que era possível falar numa tendência para a despolitização, cuja causa mais frequentemente avançada seria o “comportamento dos próprios actores políticos”, nomeadamente, os numerosos escândalos políticos que puseram em causa a sua credibilidade. É o que se pode inferir dos seguintes indicadores de confiança política que, em Portugal, registam os valores médios mais baixos:

Confiança política na Europa*

 

Em suma, os portugueses não se interessam por política, têm dificuldade em descodificar o discurso político e em tomarem decisões políticas. E votam! Como votam? É o que veremos em próximo artigo.

Fonte: European Social Survey 2002-2014 ( www.europeansocialsurvey.org)

Rui Brites 1

Publicado na Revista [Sem]Equívocos, nº6, Primavera 2018


1 Sociólogo e professor universitário (rui.brites@outlook.com)