A Associação Amigos da Grande Idade – Inovação e Desenvolvimento, congratula-se pela chegada de mais um ano e deseja a todos que possam concretizar os seus desejos.

 

Desejávamos também para 2020 um ano de mudança. Mudança na Ética e no exercício de Cidadania de forma a alterar a forma de olhar para o envelhecimento.

A moderna sociedade, eco, atlética, saudável e libertadora, com profundas preocupações com o ambiente, só conhece o envelhecimento activo e saudável. O envelhecimento bom, de velhos bonitos, desportistas, mesmo quando em toda a sua vida nunca tenham dado uma corrida, artistas, viajantes, felizes e contentes a ocuparem os seus tempos livres, dançarinos e festivos, justificando milhares de euros que se distribuem anualmente por milhares de organizações humanitárias e caritativas para o desenvolvimento de projectinhos com peso e interesse para aparecerem na televisão. Projectos para pessoas idosas novas que ainda não tiveram qualquer acontecimento critico nem nenhum acidente de saúde.

Estas são as pessoas idosas da sociedade moderna em evolução em que a competitividade e o consumo é que definem o desenvolvimento social, medido exclusivamente pelo orçamento geral do estado.

Para estas pessoas idosas a sociedade tem investido todos os seus recursos e toda a sua criatividade e energia. São as universidades seniores, os projectos intergeracionais, os passes mais baratos, os descontos em múltiplas ofertas, a multiópticas que se arrisca a pagar para dar óculos dado o aumento da esperança de vida, os subsídios para actividades de ocupação e lazer, os prémios nacionais e anuais e até o apoio ao empreendedorismo sénior.

Ler as páginas dos sites das câmaras municipais e juntas de freguesia faz-nos acreditar num Portugal em que as pessoas idosas são extraordinariamente felizes, tal a quantidade de ofertas que são publicitadas.

O problema actual para a Associação é que tudo isto não tem nada a ver com o verdadeiro envelhecimento, com o preocupante envelhecimento que aumenta dia a dia.

Podem continuar a dizer que todas aquelas actividades e projectos destinados às pessoas que completam 65 anos e dedicadas aos anos mais próximos que se seguem a essa data são fundamentais para prevenir causas maiores de incapacidade e infelicidade. Mas não.

O aumento significativo das ofertas para pessoas idosas “novas” nada preveniu, nada diminuiu a incapacidade e a dependência das verdadeiras pessoas idosas que aumentaram significativamente nos últimos anos.

A moderna sociedade determinou que ser velho é ter 65 anos e que vai até poder participar nas tais ofertas de vida activa e saudável. As pessoas que tem acontecimentos críticos como quedas, enfartes, AVC’s, demência, Alzheimer não estão nas preocupações dos decisores nem tão pouco dos voluntários imensos que por esse país fora desenvolvem projectos ditos destinados às pessoas idosas. Não. Esses cheiram mal e, ou ficam em casa, abandonados à sua sorte com a visita do filho ou da filha no final do dia ou dia sim dia não, ou são colocados nos Lares de idosos.
Essas pessoas idosas, os nossos pais muitas vezes, só são notícia quando são gravemente agredidos numa instituição ou quando são encontrados mortos após vários dias em casa.
As pessoas idosas que têm rendimentos acima da pensão mínima continuam a não ser abrangidos por qualquer apoio social, tendo que se valer dos seus 500,00 € e de algum dinheiro que possa sobrar a um ou outro filho. Milhares dos que têm pensões mínimas não têm vaga nas grandes instituições sociais que, coitadas, se vêem aflitas para cuidarem dos que lá tem e já fazem um grande favor à sociedade. Os funcionários públicos com reformas que até julgamos serem confortáveis e com rendimentos de 1000 euros não têm um apoio que seja no seu envelhecimento com doença e incapacitação. Onde estão? As pessoas idosas com um AVC, com uma fractura de uma perna, com o aparecimento de uma demência andam por ai, de casa em casa, de lar em lar ou simplesmente apodrecem num hospital que não descansa enquanto não lhes dá alta.

Essas pessoas não usufruem das excursões da junta de freguesia, nem das festas, nem dos projectos intergeracionais, nem das universidades seniores. Essas pessoas não se conseguem pentear, não conseguem lavar-se, não conseguem vestir-se.

Não seria inconveniente que essas pessoas estivessem em casa ou em lares mas é aqui que a Associação apresenta as maiores preocupações.

Ficar em casa requeria apoio domiciliário. Mas se tivermos mais de 400 euros de rendimento já não teremos direito a esse apoio e mesmo que se encontre uma instituição que o poderia fazer não é possível porque as listas de espera são enormes. Requerer apoio de entidade privada é difícil dados os custos e como se trata de entidade privada não há apoio financeiro social, reservado exclusivamente a IPSS e misericórdias.

Seria bom ficar em casa mas isso implicava uma mudança estrutural e concepcional nos modelos de cuidado e acompanhamento.

Fala-se agora nos cuidadores informais e a Associação tem vindo a conter-se sobre este projecto. A conter-se porque o julga completamente desajustado e desadequado, porque o julga falso e demagógico.

O Estado vive de costas voltadas para os cuidadores formais. Não fiscaliza instituições nem exige formação a cuidadores dessas instituições, não apoia qualquer actividade de desenvolvimento profissional, não apoia o sector privado através de incentivos fiscais que pudessem ser utilizados na formação e no recrutamento, deixa tudo isto à sorte e depois vem dizer-nos que tem dinheiro para apoiar cuidadores informais. Inacreditável, sabendo que esses cuidadores requerem processo de formação que não feitos aos formais, que requerem dinheiro que se negam ás empresas e instituições e até particulares, que requerem fiscalização, avaliação e coordenação que não se faz em nenhuma parte do pais. Mas, milagre dos milagres tirados da cartola de meia dúzia de políticos iluminados: para os cuidadores informais vai ser tudo bom. O que está para trás não interessa nada, o facto de existirem maus tratos diariamente nos domicílios, nas instituições sociais e privadas não interessa nada. Com os cuidadores informais vamos resolver tudo.

Humildemente pensamos que resolvemos tudo da mesma maneira que resolvemos os problemas de internamento, acompanhamento e recuperação hospitalar com os cuidados continuados! Demagogia.

O fundo do poço está em termos todos a consciência que as pessoas idosas, realmente necessitadas de cuidados e apoios estão em grande parte nos lares ilegais deste país. Longe de qualquer avaliação ou fiscalização, sofrendo com a incompetência de serviços públicos criados para os defender e encharcados de burocracia e lista de conformidades só utilizadas nas ofertas privadas legalizadas. Serviços de segurança social incapazes e demasiado comprometidos com as estratégias politicas e as instituições seculares que só continuam a estar impunes por esses compromissos.
As pessoas idosas em lares de idosos ilegais estão à sua sorte. Os filhos por mais vontade que tenham, têm familias. Por mais bondade, amor, gratidão que possam ter, têm que a dividir com as dificuldades de criarem os seus próprios filhos. Aqui as pessoas idosas são uma chatice, um fardo. Exigem dinheiro mas acima de tudo disponibilidade, acompanhamento.

A única solução que encontram é o Lar. E a única solução que encontram e que se enquadra nas suas capacidades financeiras é o Lar ilegal.

Lar ilegal onde se bate, se amarra, se repreende, se utilizam processos de represália. Lares onde em quartos de duas pessoas, dormem cinco ou seis. Lar com duas casas de banho domésticas para trinta pessoas. Lares que nascem como cogumelos tal a impunidade e a frieza da segurança social justificando-se que não pode intervir porque perante a lei não existem!

Lares onde trabalham médicos e enfermeiros e assistentes sociais inscritos nas respectivas ordens profissionais. Como é possível trabalhar num serviço ilegal? Será que os que se dedicam a tráfico de armas e de pessoas também têm enfermeiro e médico? Que ética é esta que permite situações tão cruéis como estas?

Há quem diga que há lares ilegais melhores do que lares legais. É falso, é esconder o sol com uma peneira.

É verdade que grande parte dos filhos vai uma vez por semana ao lar e mesmo que vá todos os dias é incapaz de reconhecer as diferenças de um lar legal para um lar ilegal. Porque as diferenças para aquilo que ele vê não são significativas: Vê pessoas a cuidarem dos pais mas não consegue perceber que duas pessoas não conseguem cuidar de trinta pessoas idosas. Não consegue perceber que a mesma pessoa que ele vê quando vai ao lar a dar comer ao pai é também a que fez a comer, a que lhe fez a higiene e a que limpou o lar e a sanita, que não muda de luvas de pessoa para pessoa, que não tem e não sabe prevenir uma ferida e que, no fundo é só ela e outra naquele lar.

Que diferença faz estar num lar legal que tem que ter prevenção de incêndios, tratamento de lixos infectados, medicina do trabalho, cumprir a legislação laboral, normas rigorosas para tratamento e manuseamento de alimentação, quadro de pessoal de acordo com as cargas de trabalho, processos de registo individual dos residentes, registos de enfermagem e médicos que possam ser consultados e avaliados, tratamento de óleos alimentares, registo de limpezas por sectores, regras para acondicionamento de produtos químicos e alimentares, planos de formação para os seus colaboradores, etc.?

Quando vai ao lar apenas que ver o pai ou a mãe sem chorar…, sem marcas visíveis de agressão. Não consegue avaliar como é que uma auxiliar consegue deitar trinta pessoas, posicioná-las durante a noite, mudar-lhes fraldas, acorrer a uma queda ou a outra situação. Não consegue perceber porque não quer pensar nisso.

A Associação Amigos da Grande Idade quer que este ano de 2020 seja um ano em que não se deixem esquecidas as pessoas idosas que necessitam de cuidados, que dependem de nós, os mais capazes.

É intenção da Associação Amigos da Grande Idade lançar durante o ano, uma petição para a discussão na Assembleia da Republica deste flagelo da ilegalidade, do crime e da indignidade nos “cuidados” a pessoas idosas em Portugal.

Bom ano 2020
Presidente da Direcção
Rui Fontes