A esperança de que a tragédia que o COVID trouxe, com especial incidência nas pessoas mais velhas, iria obrigar a alterações estruturais significativas na área do envelhecimento e concretamente na institucionalização demorou pouco. Esperança frustrada.
Nos picos mais elevados desta tragédia ainda ouvimos as grandes corporações e alguns fazedores de promessas, dizer que era obrigatório introduzir alterações para responder às necessidades do envelhecimento da população e ao aumento de dependência da população mais velha. Mas pouco durou este discurso.
Hoje, mais ou menos livres de COVID, temos a mesma situação de há dois anos atrás: legislação completamente desajustada às necessidades reais, a tutela com o preconceito do sector privado e transformada em força policial para as entidades legais, esquecendo e desconhecendo a realidade da ilegalidade, nenhuma política social assente na evidencia cientifica, indefinição da autoridade técnica dos directores e subordinação a dirigentes sem formação, confusão entre cuidados de saúde e oferta social, discriminação dos lares em relação aos cuidados continuados, sistema de financiamento desadequado, ausência de qualquer plano sério de prevenção, incapacidade de promover formação de pessoal, manutenção da imagem negativa dos lares de idosos muito à custa do comportamento das autoridades em relação às ofertas não licenciadas.
Mudou um pouco a forma como a população escolhe os lares de idosos, tendo passado a ser mais cuidadosa e atenta para não deparar com as condições impróprias em que os seus familiares se encontram e vieram à luz do dia com o COVID e a intervenção dos órgãos de comunicação social.
É difícil entender que os nossos decisores saibam que vão envelhecer, que tem todas as condições criadas para ficarem dependentes após um qualquer acontecimento crítico e nada façam para alterar este pântano social que é o envelhecimento institucionalizado.
Como no “Ensaio sobre a cegueira” do prémio novel José Saramago, a sociedade decidiu fazer um muro e colocar do lado de lá as pessoas idosas não produtivas, dependentes ou apenas fragilizadas e sem suporte familiar. Um muro muito alto.
Mas é justo dizermos que mesmo nestas condições, existe um esforço extraordinário de muitos profissionais, directores, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, gerontologos, fisioterapeutas, auxiliares, animadores, que remam contra a maré. Que lutam por conseguir distinguir os seus serviços, que conseguem transmitir afecto numa área que não é confortada por ninguém.
Nos dias que correm continuamos a assistir a um desprezo completo pelos lares de idosos por parte das autoridades.
A Direcção Geral da Saude continua a liderar as instruções para lares de idosos não tendo nada a ver com eles e não entendendo nada sobre eles. Parece estarem esquecidos que os lares não têm obrigação de ter médico e que a enfermagem está legislada em número de enfermeiros por número de residentes sem definir número de horas de trabalho. Ou seja, mantem-se a situação de termos lares cheios de pessoas doentes mas não termos cuidados de profissionais de saúde permanentes. Nos lares as pessoas doentes só podem ter problemas de saúde em determinados horários. Nos lares a medicação é preparada por enfermeiros mas administrada por auxiliares ou vice-versa. Nos lares não existem quaisquer indicadores de desempenho que digam respeito aos cuidados de saúde. Nos lares basta-nos ter o nome de um enfermeiro no placard de afixação de documentos para se ter licenciamento. Mas veio o COVID e a Direcção Geral de Saúde colocou-se como orientadora dos lares.
Assistimos a situações patéticas. Lembram-se de Reguengos? O que alterou agora? A Ordem dos médicos só deu conta de não existirem médicos em lares quando explodiu a situação de Reguengos? A Ordem dos médicos, que mandou uma equipa fiscalizar Reguengos, não tem conhecimento que existem centenas de médicos a prescrever medicação em lares ilegais? A ordem dos enfermeiros não tem o mesmo conhecimento? É legítimo, profissionais, com cédula profissional prestarem serviço em serviços ilegais?
Estamos a entrar numa nova fase: a fase do antigamente. Ou seja, a tutela que é a segurança social, voltou ao seu trabalho mais habitual: fiscalizar e acompanhar lares licenciados, ignorando aquilo que ficou à vista durante o COVID: lares não licenciados. Estes lares foram assinalados mas encontram-se como se encontrava a criança que foi morta em Setúbal. Também estava assinalada. Como estão assinalados quase todos os casos que terminam em drama mas que ficam impunes indefinidamente.
Não há justiça neste comportamento.
Por vezes questiono: estes dirigentes, decisores, funcionários, não têm família e não falam ao jantar? Não vêem os telejornais? Não tem nenhum filho, pai ou outro familiar que lhes digam que estas inúmeras situações estão erradas e que o comportamento da entidade a que pertencem é anormal? Parece que não.
Tudo está na mesma e assim ficará até que algum ministro ou presidente queira ficar na história, alterando profundamente a área do envelhecimento e iniciando uma caminhada para um futuro mais digno. Não é mais feliz nem mais activo porque isso é entretém. É mais digno. Basta.
Rui Fontes
Presidente da AAGI-ID