Desde que foi criada a Associação Amigos da Grande Idade elegeu como principal objetivo a defesa dos direitos e da representação jurídica das pessoas idosas, como a principal questão do envelhecimento. Sempre entendemos que esta era uma profunda alteração estrutural necessária, na medida em que todos os cuidados, todos os serviços, todas as ofertas teriam que se readaptar, cumprindo maiores exigências e alterando o seu posicionamento em relação às pessoas idosas que necessitam de institucionalização. Andamos há anos a dizer que se fosse levada a sério, a representação jurídica das pessoas idosas, as respostas sociais existentes e os modelos de oferta que desenvolvem, estariam “às moscas”.
É o espezinhamento, o desprezo e a impunidade que marca grande parte das ofertas a pessoas idosas porque o estigma criado é que para pessoas idosas incapacitadas de decisão ou de funcionalidade, tudo serve e todas as atitudes, comportamentos e modelos de intervenção são tolerados.
Quem está neste momento em lares de idosos por vontade própria? Quem assinou algum documento, consciente e no exercício da sua autoridade, para estar num lar de idosos? Quantos?
Mas há mais atropelos: a famigerada lei do direito à herança que continua a permitir que um filho agressor se mantenha como herdeiro.
Também na avaliação dos graus de incapacidade existe um tremendo pantanal. Não estão definidas escalas com rigor científico, os processos levados a cabo são difíceis de perceber, os “internamentos compulsivos” em lares de idosos são permanentes e não sujeitos a qualquer crítica social ou moral.
Bom, este governo, o mesmo que retirou a palavra “legal”, determinando que o contrato com um lar pode ser assinado pelo “representante” e apenas “representante”, veio agora aprovar uma resolução em conselho de ministro que pode alterar tudo. Mas é apenas uma resolução e só na próxima legislatura é que será discutido e aprovado. Boa intenção, mesmo assim…
Uma resolução que prevê finalmente a obrigatoriedade de representação jurídica legalmente tratada para todas as pessoas incapacitadas de decidir por si próprias e de assegurar a decisão sobre a sua vida, seja essa incapacidade mental ou física. Prevemos que seja tido em conta os diversos graus de incapacidade e os limites de decisão do representante legalmente constituído. Se não for assim poderemos ficar na mesma ou ainda pior, que será ter uma lei que aparentemente defende a pessoa idosa e afinal só servirá para justificar a “vigarice legal” em que às vezes somos peritos.
São finalmente criminalizados os atos contra as pessoas idosas, sejam eles de abuso físico, psicológico, económico e social. Criminalizados. Não apenas condenáveis moralmente ou sujeitos a penalizações pouco significativas.
Fala-se mesmo na defesa das pessoas idosas em relação às instituições que trocam bens por cuidados, num negócio obscuro que todos conhecem mas que ninguém enfrenta. Instituições que afinal enriqueceram e sobreviveram não pelos elevados atos sociais que praticaram durante a sua existência mas pelos bens com que foram ficando, património de pessoas que “acolhem”.
Estas alterações envolvem vários ministérios e várias regulamentações, sendo necessário mexer no código civil e no código penal.
A associação Amigos da Grande Idade não mais deixará de seguir este processo. Vamos verificar para quando o agendamento da sua discussão e votação na Assembleia da Republica. Vamos imediatamente pedir posicionamentos aos diversos partidos que se apresentam às eleições de Outubro mas ai contamos com uma disponibilidade total, uma unanimidade completa. Sabemos contudo que tudo isso se esfuma, mal são conhecidos os resultados das eleições mas não iremos deixar de lembrar quem tem a responsabilidade de finalmente dar a primeira pedrada no charco do envelhecimento em Portugal.
Mas como não somos hipócritas nem receamos represálias temos que dizer com frontalidade que a legislatura que agora termina iniciou uma brutal revolução. Silenciosa, é certo, ainda pouco eficaz, mas as sementes estão lançadas e nunca mais esta área será como era há quatro anos atrás: a lei da economia social, as alterações legislativas nos diplomas que determinam a implementação e o funcionamento dos serviços destinados a pessoas idosas (nesta área as alterações foram muito ténues e ficaram muito além do desejável) e agora esta resolução que abre uma porta de esperança para o futuro, mudaram radicalmente o panorama. É agora fundamental aprofundar estas alterações, levá-las a sério e fazer cumprir a legislação. Falta ainda mexer no posicionamento da segurança social e abrir a área a outros modelos de intervenção que tenham em conta que a funcionalidade com vista à felicidade é um dos grandes objetivos dos próximos tempos.