“Entre os méritos do homem e da mulher, considerados no seu justo valor, não há diferenças, ou pelo menos não apresentam as diferenças que a tradição nos ensinou. Para a mulher, como para o homem, o gosto de viver é o segredo da felicidade e do bem-estar”

Bertrand Russel, A Busca da Felicidade

Quando pergunto a mulheres porque é que os homens são mais felizes, a resposta mais habitual é: porque são mais “básicos”, contentam-se com pouco. Quando faço a mesma pergunta aos homens, dizem: porque elas são mais “picuinhas”, preocupam-se com pequenas coisas. Como se pode ver no gráfico seguinte, nem uns nem outros têm razão.

Felicidade na Europa – Gap entre homens e mulheres

(Homens – Mulheres)

GAPEntreHomensEMulheres

Fonte: European Social Survey, 2002-2012

Os homens só são mais felizes do que as mulheres na Lituânia, Espanha, Portugal, Itália, Grécia, Chipre e Ucrânia. A Finlândia regista a maior diferença em favor das mulheres e Portugal a maior em favor dos homens.

Podemos concluir daqui que a maior ou menor felicidade dos homens e das mulheres não é uma questão de género mas de cultura. As diferenças são mínimas na Europa do norte e do Centro, países mais igualitários em menor em Portugal e na Itália, coutadas do “macho latino”, onde as diferenças de felicidade entre homens e mulheres são mais expressivas e favoráveis aos homens.

A tradicional preocupação com o cuidar e a divisão das tarefas domésticas não serão estranhas à posição de Portugal, onde a educação dos rapazes e das raparigas ainda segue padrões sexistas assentes na diferença de género. Um bom exemplo á o que acontece com o tipo de prendas natalícias. Às meninas oferecem-se bonequinhas, cozinhas, etc. e aos meninos, carrinhos, bolas, etc. É como se de muito pequeno se prescrevessem os papéis de género no futuro: elas em “casa” e eles na “rua”.

Segundo informação do Eurobarómetro, Portugal regista uma das maiores diferenças entre homens e mulheres no que concerne à satisfação com a divisão das tarefas domésticas, elas com 63,8% a considerarem-se satisfeitas e eles 91,3%. A percentagem média europeia queda-se pelos 79,9%.

É interessante verificar, ainda, que os europeus consideram, em todos os países, que o tempo passado com a família próxima é agradável e pouco stressante, menos eles do que elas. Tal deve-se, certamente, a que são as mulheres, tanto na Europa como em Portugal, que mais referem que as tarefas domésticas lhes provocam stress. Mas essa percepção não será, certamente, alheia ao facto de as mulheres, em todos os países da UE, ocuparem por semana cerca do dobro do tempo dos homens em tarefas domésticas e cuidados familiares. O gap entre homens e mulheres é comum a todos os países e desfavorável às mulheres, significando, por conseguinte, que elas trabalham, em média, mais horas do que os homens em tarefas domésticas e cuidados familiares. A diferença média no conjunto dos países é de 10,7 horas. Portugal está entre os países com o gap mais elevado, 13,5 horas.

O título desta crónica pretendia ser irónico, pois considero que os homens não são mais felizes do que as mulheres por serem homens, mas por gozarem de alguns “privilégios” sexistas induzidos e mantidos pela reprodução cultural. A igualdade de género é um objectivo muito louvável mas… demora muito tempo. Ocupa mais tempo nos media do que nas verdadeiras intenções de mudança. Embora a tradição já não seja o que era, continua, ainda tem muito peso na mudança das atitudes e valores. Como disse Marx: “Não é a consciência dos homens que determina o seu ser, mas, ao contrário, é o seu ser social que determina a sua consciência”. Somos aquilo que historicamente somos, na acepção hegeliana.

Sejam felizes e considerem a busca da felicidade o principal desígnio da vossa vida.

Rui Brites 1

Publicada em 03-03-2016 | Diário as beiras – Opinião, pág 19
http://www.asbeiras.pt/Edicao_Diaria/diario.php?Link=7859d7c8e01d71ca96299969ef0 2f1bf%2627409%26CLT0%26TMP10000909%2620160303


1 Sociólogo e professor universitário (rui.brites@outlook.com)