“[…] I could be handy, mending a fuse/When your lights have gone/You can
knit a sweater by the fireside/Sunday mornings go for a ride/Doing the
garden, digging the weeds/Who could ask for more?/Will you still need me,
will you still feed me/When I’m sixty-four?”2

The Beatles (When I’m sixty-four?)

Sempre gostei muito desta canção dos Beatles e, quando a ouvi pela primeira vez, teria os meus 15 anos, pensei que seria muito velho quando tivesse 64 anos. Felizmente estava enganado, pois vou fazer 64 anos este ano e não me sinto nada velho. As coisas mudaram muito nos últimos 40 anos e os 64 de então não são os 64 de agora. Creio que se os Beatles escrevessem a canção agora, mudariam os 64 para 84 e quando eu fizer 84, direi que mudariam para os 94. Envelhecer sem ficar velho é um grande privilégio, só acessível aos que buscam a sua felicidade, independentemente da idade. Ser velho, é na sua essência, deixar de desejar e quem busca a felicidade, deseja sempre ser mais feliz.

Vem isto a propósito da minha última crónica, publicada em Dezembro, sobre “as curvas da felicidade”3, onde mostrava que o pico mínimo da felicidade ocorria entre os 51 e os 60 anos. Mas enquanto nos países escandinavos – mais felizes – e na Europa do norte e do centro, a felicidade aumentava até aos 70 anos, superando mesmo os valores dos mais novos, em Portugal mantinha-se praticamente estável até aos 60 anos e a partir daí descia abruptamente. Muita gente me contactou, então, para saber o que é que devia fazer depois dos 60 anos, para ser feliz. Como não gosto de emitir opiniões baseadas no que é que eu acho – como é apanágio de tantos comentadores da nossa praça – fui “perguntar” ao Inquérito Social Europeu como eram os portugueses mais felizes, com mais de 60 anos.

A primeira constatação é interessante e permite ser optimista. Com efeito, os dados mostram que a percepção da felicidade decresce com a idade, mas depois dos 60 anos, 44% dos portugueses ainda se consideram muito felizes4 e são estes, apenas estes, que me interessa conhecer melhor.

Felicidade em Portugal, por escalão etário.

FelicidadeEmPortugal

 Fonte: European Social Survey, – Portugal 2002-2012 (N=12 463)


Retrato sociológico dos portugueses mais felizes, com mais de 60 anos

A maioria é do sexo feminino (54,4%); vive na Região Norte (40,2%); é casada (76,7%); tem baixa escolaridade (73,2% têm apenas até 4 anos de escolaridade concluídos); está reformada (72,6%); e considera que o rendimento do agregado familiar “dá para viver” (53,7%).

Relativamente à religião, a maioria diz que é católico (96,9%), participa em serviços religiosos pelo menos pelo menos uma vez por semana (36%) e reza todos os dias (48,2%).

Em termos políticos, a maioria auto posiciona-se politicamente ao centro-direita/direita (42,6%), não se interessa por política (36,8%), vota (85,5%) e simpatiza com um partido político (64,3%). O PSD (46,8%) e o PS (41,1%) são os partidos com que mais simpatizam. Não confiam na Assembleia da República (57,1%), na Justiça (56,6%), nos Políticos (80%) e nos Partidos políticos (80,1%), mas confiam na Polícia (76%). Estão insatisfeitos com o Governo (766,3%) e com o estado da Economia (79,6%), mas estão satisfeitos com o funcionamento da Democracia (52,2%). Avaliam como mau o estado da Educação (50,3%) e dos Serviços de saúde (51,2%).

Consideram que o seu estado de saúde é razoável (50,7%) e 32,2% dizem que é bom. Estão satisfeitos com a sua vida (74,6%) e são optimistas relativamente ao futuro (62%).

Cabe agora ao leitor a comparação de si próprio com este “retrato” e tirar as devidas ilações. Eu já o fiz e, sinceramente, não me revejo minimamente nos traços dominantes aqui apresentados, embora sejam muito mais “simpáticos” do que os dos infelizes, de que tratarei em próxima crónica. Mas considero-me muito feliz. Ou seja, como diz o povo: não há regra sem excepção. Serei uma excepção e essa percepção contribui para a minha auto-estima e a minha felicidade.

Sejam felizes, busquem a vossa felicidade e não deixem de desejar.

Rui Brites 1

 

Publicada em 29-01-2016 | Diário as beiras – Opinião, pág 17

http://www.asbeiras.pt/Edicao_Diaria/diario.php?Link=5e790ba9f43160f14a6c8bb335a38995%2627409%26CLT0%26TMP10000909%2620160129


1 Sociólogo e professor universitário (rui.brites@outlook.com)

2 https://www.youtube.com/watch?v=vAzaOZfgf0M

http://www.asbeiras.pt/Edicao_Diaria/diario.php?Link=728c9d165930656105aeda48401eedb6%2624567%26CLT0%26TMP10000909%2620151228

4 Saliente-se que são cerca de 87% na Escandinávia e 80% na Europa do norte e do centro.